Itamaraty atua em acordo internacional para não enquadrar facções como terroristas -

Itamaraty atua em acordo internacional para não enquadrar facções como terroristas

Ministério das Relações Exteriores removeu referências a terrorismo em acordo de segurança com Argentina e Paraguai, mantendo a distinção legal entre crime organizado e terrorismo. Posição diverge de projeto que avança no Congresso Nacional e de pressão dos EUA.

O Ministério das Relações Exteriores do Brasil, conhecido como Itamaraty, atuou diplomaticamente para retirar menções que equiparavam as grandes facções criminosas brasileiras, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), a organizações terroristas em um recente acordo internacional de segurança. A manobra, revelada por reportagem da Folha de S. Paulo nesta quinta-feira, 5 de junho, ocorreu durante as negociações de um novo pacto de cooperação com a Argentina e o Paraguai, focado na segurança da região da tríplice fronteira.

Segundo a apuração, minutas do acordo continham trechos que mencionavam explicitamente a “convergência entre crime organizado transnacional e terrorismo”, uma terminologia que o governo brasileiro trabalhou para suprimir da versão final. A diplomacia brasileira solicitou a remoção dessas passagens, que teriam sido sugeridas pela Argentina e contavam com o apoio técnico da Divisão de Enfrentamento ao Terrorismo da Polícia Federal do Brasil. O texto final do acordo acabou se limitando a citar os delitos relacionados ao crime organizado, sem fazer a conexão com o terrorismo.

A Posição Oficial do Brasil

A ação do Itamaraty reflete a posição jurídica e diplomática de longa data do Brasil, que distingue fundamentalmente o crime organizado transnacional do terrorismo. Para o governo brasileiro, com base na Lei Antiterrorismo (Lei nº 13.260/2016), o conceito de terrorismo está estritamente ligado a atos praticados por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião.

As facções criminosas brasileiras, na avaliação do governo, operam com uma lógica primordialmente econômica, visando o lucro através de atividades ilícitas como o tráfico de drogas e armas, e não possuem a motivação ideológica ou política que caracteriza as organizações terroristas segundo a legislação nacional e diversos entendimentos internacionais. Esta posição já foi reiterada por autoridades brasileiras em reuniões recentes com representantes do governo dos Estados Unidos, que têm pressionado o Brasil a adotar a classificação de “terrorista” para esses grupos.

Contraponto no Congresso Nacional

A postura do Itamaraty no cenário internacional está em rota de colisão direta com uma forte mobilização interna no Congresso Nacional. No final de maio, a Câmara dos Deputados aprovou o regime de urgência para a tramitação do Projeto de Lei 1.283/2025, de autoria do deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), que visa exatamente ampliar a Lei Antiterrorismo para enquadrar as ações de facções e milícias que impõem controle territorial por meio da violência.

Essa divergência cria um cenário complexo para o Brasil: enquanto a diplomacia busca manter uma distinção técnica e legal que considera importante para a cooperação internacional e para evitar a banalização do conceito de terrorismo, parte significativa do Legislativo busca uma resposta mais dura e simbólica para o poderio das facções, alinhando-se, em parte, à visão defendida pelos Estados Unidos.

O Ministério da Justiça, ao comentar as alterações no acordo, declarou que mudanças textuais são parte natural das negociações e que o documento final expressa a vontade comum dos três países no enfrentamento ao crime organizado. Internamente, o Palácio do Planalto também teria ressalvas ao projeto de lei, temendo que dar a “grife” de terrorista às facções pudesse, paradoxalmente, reforçar a imagem desses grupos e trazer complicações diplomáticas.

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